Eu só consigo dormir quando amanhece e vai clareando o dia porque eu sinto uma falsa segurança na luz, eu posso ver o perigo entre uma passagem rápida que me faz acordar entre um sonho e outro pra saber se ainda estou viva. Se ainda é real. Eu sinto muito medo as vezes e eu começo a chorar, as imagens ficam voltando como um filme de fita cassete emperrado na minha cabeça, e eu não consigo fazer rodar, nem rebobinar, nem tirar a fita. Eu não consigo gritar nem chamar ninguém, porque acho que se eu gritar eu vou morrer. Eu não consigo conversar com a minha mãe, porque não consigo suportar que ela sofra com o que sofro, não consigo olhar em seus olhos e vê-los procurando ajuda pra alguém que já não tem mais jeito, eu. Não consigo andar sozinha na rua sem passar mau, não consigo andar desarmada, não consigo achar que vai ficar tudo bem porque eu sei que não existe tudo bem. Não consigo deixar as pessoas se aproximarem de mim, porque acho que não mereço, porque me sinto um lixo, porque não restou quase nada de mim, porque espalho minha dor e contamino as pessoas com minhas sequelas que me aprisionam no passado. Não consigo comer, porque não sinto fome, apenas me alimento pra manter a obrigação de estar viva. Não consigo sentir vontade, me forço a sair de casa, me forço a ir a lugares que não me sinto confortável apenas pra testar o meu psicólogico. Não consigo me abrir, e quando o faço, me sinto culpada, e me sinto traída, porque ninguém vai entender, porque ninguém vai se importar, porque ninguém vai suportar a convivência no manicômio que é estar comigo. Eu não aguento mais minha cabeça e eu não aguento mais meu corpo fadigado, a auto sabotagem, as tentativas fracassadas de ser uma boa filha ou uma boa companheira, as crenças e os costumes de minha família que os deixaram cegos demais para saber quem eu era, as pressões ridículas pra que eu me tornasse algo que não sou, as cobranças e autoritarismos que apagam minha existência real, as pílulas que eu tomei, e as que eu não tomei, os efeitos colaterais, do remédio, do remorso e do ódio, e também do amor, e são todos iguais, assustadoramente iguais. As muitas paredes brancas, e as verdes também, quais tentaram me internar diversas vezes e não conseguiram, os devaneios, as vezes até de olhos abertos, as tremeideiras, a automutilação que ninguém vê, a desesperança e a vontade de já não sentir mais nada. Eu não aguento mais então por favor não me venha com a possibilidade poética de um amor futuro se isso não for real. Porque nada faz sentido mais e eu sei que eu tenho razão nisso. Então qualquer forma que soe menos dolorosa ou bonita de viver, eu aceitarei sem raciocinar porque eu preciso acreditar em algo ou em alguém, eu preciso sentir que o amor é real e que ainda há algo quente em mim, e eu quero que seja você. E eu quero me livrar desse desespero e dessa capa frágil que me faz transparecer que está tudo bem quando na verdade estou morrendo por dentro e não consigo erguer a mão. Estou farta, devastada, meus pés não me levam a lugar algum, minha cabeça que não desliga, meus olhos turvos que me rendem alucinações, o seu abraço é o único refúgio que ainda me sinto segura, mesmo que, por um momento. É tudo o que me restou agora. Mas são seis horas da manhã, e eu ainda não dormi, e só consigo pensar que talvez eu seja só mais um peso na sua vida, e que não vale mais a pena lutar por mim porque estou estragada demais, e que os remédios mais próximos dariam um cocktail irreversível, e ninguém mais poderia me salvar, nem eu.