terça-feira, 20 de março de 2018


Cidade-cinzeiro
A poeira que sufoca
Vai e volta incessante
Geografia do local friamente calculada
Mirada ambígua
Se divide em dois estados
Sólido ou gasoso
Humanos sintéticos
Dirigindo os veículos
Trânsito de ideais
Chegou onde queria
E agora?
Máquinas que não dizem nada
Calor desistente dos corpos
Nenhum movimento orgânico
Só o caos organizado
Em muitas caixas por dia
A solidão é compartilhada
Em milhares de doses
Doses diárias divididas
Entre legal e ilegal
A droga e a drogaria
A mídia e o que diziam
Mataram seus sonhos
De liberdade indígena
O cinzeiro te sufoca
E a fumaça aqui
Não é só de brasa queimada
É de desespero no olhar
É de bala perdida
Que sempre acha um preto ou pobre
É de gente ferida
Que morre no descaso da sua sala
É da máquina quebrada
E da que funciona também
Funciona nas mãos do estado
Mira e acerta o alvo
Sempre selecionado
Entre etnia, classe social e gênero
Fingem não saber o porquê
Mas nós sabemos que é real
E que rasga a pele
Amacia
E deixa a carne mais barata.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Há muito espaço físico, há embriaguez mental, onde todos os dias mais uma mulher negra morre na mão do estado. Mais uma mulher. Na mão do estado. As vidas, e na mão do estado contrações uterinas, dando margem pro feminicidio diário, sustentando a ideia de que nossa vida não importa, tampouco será vingada, tampouco será esquecida. E nessa história morre também a esperança, morrem também as indígenas, ressaltando, somos filhas do estupro, e não duvida-se que agora também o oprimido é um reflexo, torna-se, pela raiva e descaso o próprio opressor, agredindo seus irmãos e irmãs. Move-se a roda, as engrenagens estão borradas de sangue, dando pau toda hora, dando pau toda hora, sem consenso, coagindo, agredindo e matando sufocado nossos sentimentos e sonho de equidade. Medo e agonia restaram.
Essa noite novamente me veio o pesadelo, ele tinha formato ímpar, era um homem robusto, não media consequências, assim como aquele que matou um pouco de mim em 2013 e, na realidade não pude fazer nada além de sentir a morte escorrer quente em meu corpo de formato par, mulher. Já no pesadelo, descontei minha revolta, me defendi com uma faca e o castrei da existência por vingança. Eles me pedem calma, foi só um sonho ruim não é mesmo? Gostaria de poder afirmar. Mas todo dia é a mesma coisa, e dia 19 de janeiro de 2018, cinco anos depois de tantos ataques de pânico, fui no judiciário, mesmo assim me pedem para que não caia no desespero, afinal, poderia ser no IML, assim como foi para outra irmã hoje,  agora ela já não pode sentir nada, eles disseram, "está salva", e morta pelas mãos do estado. Afeta um pouco de cada uma, e não sabemos o que sentir. Não é novidade que a polícia mata, principalmente se sua cor não for branca, principalmente se puxarem o seu CEP, principalmente se você for "minoria". Sim, estamos em estado de desespero. Não, não ficaremos à margem.


Quadrados a nos governar
Por trás de suas cortinas de seda
Nossa realidade é o sangue
Que jorra na valeta-cidade
Não podemos pagar
Ainda sim revidaremos
Mesmo que magros e cruéis
Mesmo que com ódio nos olhos
Mesmo que com fome também
Tomaremos seu prato de assalto
Seu vinho embebido em veneno
Você não vai perceber
Porque aqui o barulho do tiro é alto
Mas o silêncio da ganância mata mais rápido
Vocês já estão mortos por dentro.

domingo, 11 de março de 2018

O ego é fashion
Falso e vazio

Coagidos
À desesperança
Encontram-se seguros
Na ilusão da escolha
Entre libertar-se
Ou submeter-se
E comprar uma terra no céu

sexta-feira, 9 de março de 2018

O paraíso não é aqui
A trágica poeta
É uma cruel admirada
O sofrimento é mundano
O talento é sulfúrico
Realidade imaginária questiona
Quanto tempo de vida você escolheu?
Procura-se então
Um rito de passagem
Um sonho
Um território livre
Alista-se num clube de combate
Guerrilha interna
Delirium ambulatorium (surto)
A arte transborda
Na defesa
E no ataque
Performance de veludo
No carnaval do inferno
E não enxerga mais nada.

terça-feira, 6 de março de 2018

Variável o tempo
Entre um e outrem
Não ocuparemos o mesmo momento
E quando o fizermos, será a prévia
Prévia vontade e anseio pelo sempre
Eternizar o efêmero que fora compartilhado
Agonizar na esperança de que
Seja estável e coincidente
Seu estado com o meu
Seu tempo com o do outro
Nada, nem ninguém ocupa o mesmo lugar
Tampouco deveria
Então acostume-se
É tudo assim mesmo
Uma breve passagem
Encontros e reconhecimentos de si
Que acasalam nos horários oportunos
Que se dissipam
E nunca mais são os mesmos