tenho medo da necessidade
de correr o tempo todo
chegar à lugar algum
de ter que devorar a existência
numa tragada
só
eu tenho medo dessa cidade
tenho medo da necessidade
de correr o tempo todo
chegar à lugar algum
de ter que devorar a existência
numa tragada
só
eu tenho medo dessa cidade
é o tempo onde homens 
não tem mais razão
e devem ouvir com frequência
quando faz sentido
e quando não.
como vou engolir
o pedido de paz hipócrita
de libertários privilegiados egocêntricos
enquanto um deus cruel e admirado 
cospe por entre os dentes podres
toneladas de munição e armas
pra homens miseráveis que acreditam no poder
refletindo à tiros e histeria
a mesma opressão tirana
que oferece uma realidade plastificada, frágil e doentia 
à quem já nasceu na desgraça
como vou acreditar
se tuas palavras tão belas e acadêmicas
embebidas ao descaso gourmet
que silenciam gritos desesperados
ainda fazem chacota dos trejeitos e costumes de quem construiu tudo isso levando nas costas 
enquanto sua industria se apropria até de almas enlamaçadas 
embranquecendo tudo 
envenenando o mundo
colonizando ideias
me encantaria mesmo é ver o teto de mármore 
despedaçando sobre suas cabeças 
tingindo e devolvendo o vermelho
como sangue, como fogo
que alastra e engole as paredes de cimento 
como se a realidade já não fosse absurda 
como se sua soberania cristã já não tivesse estuprado as liberdades e a esperança
como se a única dor que lateja fosse a sua
como se toda transcendência e romantização resolvessem os problemas estruturais 
o véu que enfeita o problema 
é o mesmo que venda meus olhos.
roubam meu sangue e pintam com ele
fazem entretenimento da minha dor
à quem pertence esse corpo?
e se eu me atirar em um piso branco consigo uma obra espontânea?
deixo tudo vermelho como brasa 
e você ainda ganha uma história triste
pra romantizar e fingir que se importa
que se arrepende
Onde está o pai?
Cadê o homem que fala que é?
Reconhecido, que faz e acontece
Onde está essa força?
Tão magnífica, realizadora
Viríl e cruel
Que tudo que toca, desgraça
Que quando se move, devasta
Se esconde atrás de nossa existência
Que enquanto mulher, sofre e é obrigada a resistir 
Carregamos tudo, construímos, cuidamos
Enquanto cadê? Cadê o homem?
Que se enfia em sua macheza
E não quer sair de lá, o buraco quente  
Não acredita em ninguém que não seja outro homem
A prepotência macho alfa
Calando todas as bocas que não sejam iguais ou másculas o suficiente 
Levantando seus pilares meio moles
Incertos do que almejam 
E ainda sim, alguns dizem que eles não sabem o que estão fazendo
Mas não posso acreditar 
Sabem muito bem e gozam
Gozam do sangue
Do alto de sua covardia soberana 
Zombam de nossa natureza
Enquanto a criança corre e chora
Chora também a mulher
Molha também o mundo
Inunda e dizima populações inteiras 
Apenas pra afirmar suas obras faraônicas
Perigosas e falocentricas
A criação é sua e o desastre é nosso?
Cadê o pai? Onde foi?
Ninguém sabe dizer, afinal, ele é livre. Ele é homem.
Temo, a amargura que vem com os anos
o descaso dos seres humanos
e o frio mortal
nos olhares que me cortam. 
As trocas sempre vazias
me sinto sozinha e estou cansada.